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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Bob Marley no Brasil

Bob no Copacabana Palace Hotel

Bob Marley, Junior Marvin (guitarrista dos Wailers), Jacob Miller (vocalista do Inner Circle), Chris Blackwell (diretor da Island Records) e a esposa Nathalie Blackwell, vieram ao Brasil em um jato particular para participar da festa que inaugurou as atividades do selo alemão Ariola no país. A Island, gravadora original dos Wailers, era então um selo da Ariola. Bob interrompeu as sessões de gravação que resultariam no álbum ‘Uprising’ para vir ao Brasil.

Na descida em Manaus, para reabastecimento, o jato ficou retido por algumas horas. O governo militar certamente não estava vendo com bons olhos a vinda daquela comitiva enfumaçada. Depois de alguma negociação as autoridades acabaram cedendo, mas sem liberar vistos de trabalho, o que desestimulou os que pensaram em improvisar uma apresentação deles em solo brasileiro. Depois ainda desceram em Brasília e rapidamente decolaram em direção ao Rio de Janeiro. Chegaram no aeroporto Santos Dumont às 18h30m do dia 18 de março, terça-feira.
Logo foram cercados pelos repórteres. Bob era mais conhecido na época por ser o autor de “No Woman No Cry”, música que havia vendido 500 mil copias na versão de Gilberto Gil. Suas primeiras declarações foram sobre a música brasileira: “O samba e o reggae são a mesma coisa, tem o mesmo sentimento das raízes africanas”. Sobre Jah, o Deus do rastafarianismo ele apenas disse: “É como o seu Deus, pouca gente O conhece”. Cansado da viagem, o grupo rumou logo para o Copacabana Palace, onde ficariam hospedados.

No dia seguinte, pela manhã, eles trataram de dar algumas voltas pela Cidade Maravilhosa, fizeram questão de conhecer a favela da Rocinha, que acharam bastante parecida com os guetos da Jamaica. Como não haviam trazido um cozinheiro para Ihes preparar a comida I-tal – cozinha natural seguida pelos rastafaris – Bob, Junior e Jacob só se alimentaram com sucos de frutas. Segundo um acompanhante brasileiro, cada um bebeu quinze copos de suco e Bob gostou mais dos de manga e maracujá.
Depois os três partiram para as compras e percorreram as lojas de material esportivo atrás de uniformes e outros equipamentos. Os instrumentos musicais também não foram esquecidos e os três rastas levaram violões, maracas, atabaques e cuícas. Os artigos esportivos tiveram a sua estréia no famoso jogo no campo de Chico Buarque.

O trio jamaicano chegou as 16hOO no km 18 da Avenida Sernambetiba – três horas atrasados – quando os funcionários da Ariola jogavam animadamente contra alguns dos contratados da gravadora no Brasil, como o anfitrião Chico B u a r q u e, Toquinho, Alceu Valença e outros.

Logo que eles chegaram os times foram rapidamente rearrumados e ficaram assim: Bob Marley, Junior Marvin, Paulo César Caju, Toquinho, Chico e Jacob Miller de um lado; e do outro Alceu Valença, Chicão (músico da banda de Jorge – ainda Ben) e mais quatro funcionários da gravadora. Antes de começar o jogo Bob ganhou uma camisa 10 do Santos e sorriu, dizendo “Pelé” para depois explicar que jogava em qualquer posição. Mas ele foi mesmo para o ataque e o placar foi de 3 a 0 para o seu time, com gols dele (documentado pela TV – veja fotos desse jogo abaixo), de Chico e de Paulo César.
Este, que jogou na copa de 70, foi o mais festejado por Bob, que lhe disse: “Sou fã de seu futebol”, ao que Paulo César respondeu, “E eu, de sua musica”. Bob lembrou o campeonato mundial que marcou a ilha do reggae: ”Rivelino,Jairzinho, Pelé… o Brasil é o meu time. A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil”. Mas a principal razão para a vinda dos jamaicanos era a big festa da gravadora e logo que o jogo acabou eles voltaram para o hotel.

A festa no alto do Morro da Urca foi no mesmo dia – 19 de março – e teve mais de 1000 convidados e penetras, com direito a engolidor de fogo, cartomante e fogos de artifício. Bob Marley chegou com os amigos às 22h00, e foi logo para um camarote. Tranqüilo, apesar de muito assediado, conversou com Moraes Moreira, Marina e com os participantes do jogo. As pessoas estranhavam o fato de ele não beber, o que era explicado por suas convicções rastas. Baby Consuelo, que havia feito uma versão de “Is This Love”, tentou ir lá cumprimentá-lo mas não conseguiu.

Depois dos discursos dos diretores da gravadora ele se afastou para assistir a apresentação de Moraes Moreira, que começou às 24h00 e fez a pista de dança encher. A agitação foi tanta que Bob deve ter percebido o significado da expressão “Rio Babilônia”. A esperança geral era de que ele desse uma canja. Moraes chamou Baby no palco para cantar a sua versão e talvez fazer Bob se decidir. Mas nessa hora ele já estava se levantando e arrastando repórteres, fotógrafos e curiosos à sua passagem, falando com os jornalistas enquanto se encaminhava para o bondinho.

Na manhã seguinte estava programada uma coletiva para a imprensa que acabou sendo realizada às pressas pois os jornalistas chegaram atrasados e a partida de Bob e sua comitiva estava marcada para as 16h00. Sobre os brasileiros ele disse : “É fácil perceber que as pessoas aqui têm ritmo e feeling, não só no andar, mas no falar e no próprio interesse demonstrado pela música em qualquer uma de suas manifestações”.

Para ele a mensagem do reggae tem grande importância, pois “os músicos devem ser porta-vozes dos grandes contingentes oprimidos. No nosso caso, a responsabilidade é maior por causa das nossas crenças religiosas. A própria filosofia do reggae explica tudo isso. O reggae surgiu do gueto e sempre foi fiel às suas origens, levando ao mundo uma mensagem de revolta, protesto e reinvindicação”. O mundo à sua volta é percebido em cores fortes. “O Apocalipse está nas ruas, no dia-a-dia de cada um. É o meu povo que sofre, o povo da rua, o pobre. É dele que estou falando”.
No entanto ele se mostrava profético em seu otimismo sobre o futuro do reggae: “o reggae não é nenhuma moda, agora está havendo um revival do ska, e quem está ouvindo essa musica é a geração jovem, até brancos. Isso é salutar como uma semente bem regada, não é uma moda. Isso vai crescer. Espere só, mon”. Bob Marley e amigos partiram na mesma tarde do dia 20 de março, quinta-feira, para a Jamaica. Junior Marvin contou ao Massive Reggae que durante essa viagem Bob começou a compor várias músicas que ficariam inacabadas. Contou também que eles planejavam incluir o Brasil na turnê mundial que aconteceria no segundo semestre de 80 e o Inner Circle iria abrir os shows, o que foi citado por vários jornais da época.

No entanto, dois dias depois de voltar à Jamaica, no dia 23 de março, Jacob Miller morreria num acidente de carro em Kingston. No final, do mesmo ano, Bob Marley sentiu de maneira contundente os sintomas da doença que o levaria em maio de 81. O sonho de uma apresentação de Bob Marley no Brasil jamais se concretizou, mas ao menos tivemos a oportunidade de conhecer outro lado de suas personalidade, mostrando que longe dos palcos e dos estúdios ele era apenas uma pessoa como qualquer outra. Todos os jornais que cobriram sua visita destacaram o fato de que ele se mostrava sempre acessível e disposto, sem traço de estrelismo.

Esta vinda ao Brasil foi ofuscada na biografia de Bob Marley pela apresentação na festa da independência cdo Zimbabwe, que aconteceria menos de um mes depois. Mas para quem sente a sua música bater com toda força sem causar dor, esta é uma lembrança inestimável. As declarações de Bob Marley foram dadas aos seguintes jornais: Jornal do Brasil, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal da Tarde. Colaboração: sr. Yassuo Ono, sra Helena Faria (arquivo JB), sr. Geraldo Carvalho.

Este artigo foi traduzido para a língua inglesa e publicado na revista The Beat e no jornal Reggae Roots International.

Créditos: Por Léo Vidigal – Massive Reggae
Fonte: http://gaiufa.wordpress.com

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